Oikos na ótica de uma estudante de psicologia com deficiência visual


Daniela C. Oliveira é a segunda estudante de pé, da esquerda para a direita

Oikos, Doce Oikos: Um encontro com a beleza que não se vê

Por:
Daniela C. Oliveira
(danyolivie@gmail.com)

Há momentos para os quais não estamos preparados. A situações que, por mais que sejamos instigados a respeito, não somos capazes de mensurar o impacto que causarão em nós. Eu não estava preparada para o Oikos. Não agora. Na verdade, não sei se algum de nós estava, mas a mim importa estar por inteiro onde quer que esteja. E estar por inteiro no Oikos é deveras desafiador.

Eu, tão cética quanto racional e, descobri no dia de ontem, tão absorta pelas facilidades cotidianas, fui tomada, naquele lugar, por um misto de sentimentos bastante difíceis de descrever: a princípio era desconfiança: “qual o objetivo de estarmos nesse lugar”? Depois passou a ser incredulidade: “pode-se mesmo viver de forma tão absurdamente simples”? Por fim, transformou-se em curiosidade: “ok, mostre-me mais sobre isso”!

Já havíamos caminhado um pouco até chegar a esse terceiro estágio e, enquanto isso, um outro sentimento caminhava lado a lado destes: o medo de aquilo não ser para mim. É fato que as pessoas já aceitaram e entenderam a minha presença em sala de aula, onde nem tudo são flores, mas o chão pelo menos é plano. Sabia e esperava que, devido a experiências passadas, eu tivesse que justificar a minha presença ali, pedir para fazer parte, convencer alguém – colega, professora ou as próprias pessoas do local – de que aquilo não seria um obstáculo intransponível. Aliás, se chegamos ao ponto em que a natureza passa a ser um obstáculo, para qualquer ser humano que seja, penso que estamos em sérios problemas. Mas fiquei, sim, até certa parte do trajeto, esperando algum questionamento, alguma preocupação desmedida ou cuidado excessivo – que mais atrapalha do que ajuda.

Porém, a recusa não veio e o temor se dissipou. E esse foi meu primeiro encontro: um encontro com o outro. Como seria possível encontrar-me com o outro se esse outro não me deixasse chegar até ele? Mas naquele momento estávamos todos juntos. Havia uma amiga me guiando pelo terreno íngreme com a mesma naturalidade que guia pelos corredores da universidade; haviam diversos colegas que caminhavam num mesmo ritmo, que não era o meu nem o deles, mas o ritmo do grupo; havia uma professora observadora e atenta acompanhando seus alunos, todos eles com igual disponibilidade; e as próprias pessoas do local, embora descrevessem o espaço, em geral, como se todos o estivessem vendo – o que é fruto de descuido e não descaso – foram extremamente atenciosas e acolhedoras.

Então teve início a experiência de estar verdadeiramente no Oikos. E foi incrível. Demais para que eu pudesse dimensionar naquele momento; demais para que eu pudesse falar sobre a imensidão de estímulos sensoriais, vindos de toda parte, despertando uma miríade de sentimentos inexplicáveis.

Na minha quase extinta visão, tudo em volta era verde. Absurdamente verde. E quando o verde se apagou para mim, ele se apagava para todos, e caminhávamos todos no escuro, desfrutando a sensação do anoitecer. No meio da escuridão os vagalumes eram as lanternas que guiavam aquela procissão de pouco mais de 20 pessoas. Um daqueles pequenos seres luminosos, ao ser depositado em minhas mãos, despertou uma série de lembranças de uma menina pequena quase sem visão e um pai amoroso que caçava vagalumes para que ela pudesse ver. Agora aquela menina, já crescida, queria reter aquele serzinho luminoso, queria que fosse seu, para que assim pudesse reter as lembranças de uma infância já esquecida. Assim como no lar de meditação, quando ela olhou fixamente para a luz da vela, pensando desesperadamente que precisava daquela luz, mesmo que não fizesse ideia do porquê. Nem tudo que aí está é para ser explicado.

Aos meus ouvidos, o canto das cigarras era música belíssima, que fazia a alma ter vontade de dançar. Eu, que amo o Natal, jamais esquecerei que essa música é o Jingle Bell em alguma linguagem incompreendida, anunciando a chegada das festas de fim de ano. As cigarras nos acompanharam por todo o trajeto, parecendo mais estridentes a medida que a noite se aproximava. Mesmo dentro do Lar de Meditação era possível ouvi-las, como um lembrete de que o silêncio das cidades é necessário, porque elas estão cheias de ruídos; no entanto, a natureza, sábia como é, nos oferece música para elevar a alma, mesmo no mais profundo retiro.

A natureza é extremamente perfumada. Havia sempre presente o cheiro de mato, inconfundível e inebriante; o cheiro das folhas de chá, tão maravilhoso que estas foram passando de mão em mão, para que todos pudessem compartilhar dos seus aromas. Havia também a sensação da terra no fundo do lar de meditação, uma terra fria e úmida, que ainda assim era agradável ao toque. Isso sem falar na magnitude de conhecimentos adquiridos sobre tudo aquilo que é simples, porque é natural, porém espantoso, porque é desconhecido. A natureza em toda parte nos presenteava. E esse foi meu segundo encontro: um encontro com a natureza da qual somos parte indistinguível.

Falar é dos meus esportes favoritos. Quem me conhece sabe que eu sempre tenho opinião sobre alguma coisa. Não que ache que minhas palavras sejam relevantes de serem apreciadas, mas pura e simplesmente porque a fala é minha forma mais desenvolvida de expressão. No entanto, ontem eu calei. E assim foi mais possível ouvir. Não aos outros, mas a mim mesma. É tão difícil ouvir a nós mesmos. É difícil para mim. Mas eu ouvi. Ouvi a minha agitação no silêncio incômodo, como se o agito do dia a dia e a ansiedade, velha amiga, viessem me buscar, mesmo naquele espacinho debaixo da terra. E me questionei: “por que é tão difícil parar”? Ouvi o meu corpo, tão pouco expressivo, limitado pela reação das pessoas a uma deficiência que em nada o atinge, pedindo para ser livre, porque a alma dentro dele é tão agitada e expressiva. Calei a voz para ouvir meu interior dizer coisas que eu me recuso a ouvir há tanto tempo. E, quando o grupo foi questionado sobre seus sentimentos e sensações, havia muito a dizer: no Lar de Meditação, gratidão; após as últimas atividades, leveza; após o relato do Mhanoel, parabéns. Mas havia tanto mais borbulhando dentro de mim, que o mais inteligente foi, efetivamente, calar. Este foi meu terceiro encontro: um encontro comigo mesma.

Talvez haja mais, muito mais que ainda não foi possível elaborar em tão pouco tempo. Talvez o Oikos seja uma experiência ainda a ser significada. Espero poder voltar em algum momento em que eu possa questionar menos e me permitir sentir mais. Ontem não foi assim. E, ainda assim, foi maravilhoso. O Oikos é apenas um ambiente natural no meio da cidade. Vendo assim, talvez não pareça nada de mais. O diferencial do Oikos está no que nós, seres humanos, perdemos de contato com o natural, com o simples. É a simplicidade do Oikos que o torna único, inexplicável, inesquecível.

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Daniela C. Oliveira, estudante do quinto semestre de Psicologia da Unesc; ela escreveu este artigo a partir da visita da sua turma realizada no dia 9 de dezembro de 2017, supervisionada pela professora de Psicodrama Elenice Sais.

Um comentário em “Oikos na ótica de uma estudante de psicologia com deficiência visual

  1. A Oikos é transformador! eu não sou mais a mesma depois de frequenta-la! Só Gratidão e Bençãos a família Oikos!

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